São Jerônimo e a Bíblia

Uma bela atitude de gratidão de todos os cristãos latinos deveria ser a de tributar grande honra em memória de São Jerônimo, tradutor da Bíblia para o latim.
Sem dúvida, um grande disparate lançado por diversas pessoas é a afirmação de que a Igreja sempre dificultou a leitura da Sagrada Escritura.

E, lamentavelmente, muitas pessoas que defendem estas idéias, são justamente estas de origem latina que certamente se beneficiaram, de forma incomensurável, do incansável trabalho de São Jerônimo que se debruçou sobre os manuscritos para atingir seu objetivo e popularizar a Bíblia a pedido da Igreja. Eu diria que esta é uma grande demonstração de ingratidão… Além de ignorância dos fatos históricos.

Nos seus primeiros séculos, a Igreja utilizou-se do grego. Foi nesta língua que foi escrito todo o Novo Testamento.
Mas em virtude da pregação do cristianismo por todo o Império Romano, houve a necessidade de se traduzir os escritos bíblicos para os cristãos que não liam o grego ou o hebraico. A motivação era, justamente, difundir a Palavra de Deus a todos.
Pois bem, tal tradução se deu diretamente do hebraico para o latim, e não da então considerada “controversa” tradução grega conhecida como Septuaginta.

Esta tradução, os cristãos dos primeiros séculos chamaram de Vulgata, que recebeu este nome porque foi produzida para ser mais exata e mais fácil de compreender. Foi traduzida para ter “larga divulgação“.

A Vulgata foi escrita já no século IV, e requer o devido respeito não somente por causa dos seus anos de vida, mas porque traz o registro de que os deuterocanônicos, rejeitados pelos protestantes, desde sempre fizeram parte da lista de livros considerados inspirados pelos primeiros cristãos.

Portanto figura como falsa a afirmação protestante de que a Igreja incluiu os deuterocanônicos apenas no Concílio de Trento (em 1545).
Desde sempre a Igreja comumente aceitou a canonicidade dos deuterocanônicos.
Isto pode ser notado através da observação de que nenhum Concílio da Igreja Primitiva se declarou contrário à canonicidade destes livros. Foram declarados canônicos nos Concílios regionais de Roma (em 382 d.C.), de Hipona I (em 393 d.C.), de Cartago III (em 397 d.C.), de Cartago IV (em 417 d.C.) e de Trullo (em 692 d.C.).

Um documento conhecido como decreto Gelasiano (em 496 d.C.) também confirmou a canonicidade dos deuterocanônicos.
Em 1441, O Concílio Ecumênico de Florença, através da Bula Cantate Domino (4/2/1442) reafirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.
E, finalmente, o concílio de Trento (em 1545 d.C.) reafirma o caráter canônico dos livros.

E por fim, como eu disse anteriormente, a comum aceitação, por parte da Igreja, dos deuterocanônicos como livros sagrados pode ser atestada através da tradução Vulgata (séc. IV), que São Jerônimo escreveu observando, também, a Vetus Latina, que, pode-se notar, traz em seu cânon a lista dos deuterocanônicos e, acredita-se, que seja do primeiro século.

Para se ter idéia da importante herança que São Jerônimo nos deixou em virtude de seu santo trabalho, notamos que a Vulgata, ainda hoje é utilizada pela Igreja.
Após o Concílio Vaticano II (1962-1965), foi realizada uma revisão da Vulgata, a pedido do Papa Paulo VI, especialmente para uso litúrgico. A revisão foi terminada em 1995 e promulgada por João Paulo II, sendo denominada Nova Vulgata.

Por tudo isto, nada mais justo do que, no dia da memória do falecimento de São Jerônimo (30/9/420), celebrarmos o dia da Bíblia no Brasil, herdeiro direto da tradução latina deste notório doutor da Igreja.

E, não somente para tributar esta grande honra através desta lembrança do trabalho de São Jerônimo, mas para também exigir o devido respeito à Sagrada Escritura, é que desenvolvo agora uma breve demonstração de que, como mostrado acima, não foi a Igreja que incluiu os deuterocanônicos, mas os protestantes que o rejeitaram, como mostrado abaixo:

É estranho notar que não foi Martinho Lutero, pai da revolução protestante, que rejeitou os deuterocanônicos.
Lutero incluiu os deuterocanônicos do Antigo Testamento em todas as edições de suas traduções, começando com sua primeira edição completa em 1534.

É estranho notar que, ainda am 1611, mais de um século após o início da revolução protestante, a edição protestante The King James Version, do Rei Jaime I, da Inglatera, trazia em seu catálogo os deuterocanônicos.

Estas edições jamais contestaram a canonicidade dos deuterocanônicos.

Apenas após a morte de Jaime I, no século XVII, é que os protestantes resolveram adotar, para o Antigo Testamento, o cânon hebraico conforme instituído no Concílio [judeu] de Jâmnia em 90 d.C.

É importante destacar que, além dos deuterocanônicos no AT, existem deuterocanônicos no NT.
Reparou que nunca se vê protestante lançando disparates contra os deuterocanônicos do NT?
Isto se dá, porque de forma curiosa eles rejeitam os deuterocanônicos do AT, mas aceitam os deuterocanônicos do NT, que sempre foram tão questionados quanto os do AT por muitos séculos.

Os deuterocanônicos do NT são: Tiago, Hebreus, Apocalipse, 2 Pedro, 2 e 3 João.
Eles chegaram a ser rejeitados pelos protestantes, mas acabaram sendo aceitos. O mesmo não aconteceu com os deuterocanônicos do AT.

Pode-se notar que a conhecida contradição protestante quanto à interpretação bíblica dos dias de hoje tem seus primeiros registros na própria aceitação ou rejeição dos deuterocanônicos do AT e do NT.
 
Por fim, pudemos reparar que a Bíblia protestante se apresenta incompleta e que caracteriza-se um grande insulto aos cristãos primitivos tratar como apócrifos os livros que eles, desde os primeiros séculos, consideravam como inspirados.

Mais uma prova de que a Igreja sempre aceitou os deuterocanônicos:

Códice Vaticano: http://www.newadvent.org/cathen/04086a.htm
Códice Sinaítico: http://www.newadvent.org/cathen/04085a.htm
Códice Alexandrino: http://www.newadvent.org/cathen/04080c.htm

Agradecimentos: Giba (ajuda na pesquisa dos registros primitivos da Igreja)

(abaixo, uma fotografia comprovando a aceitação dos cristãos primitivos quanto aos deuterocanônicos)

 Catacumbas de São Pedro e Marcelino - Roma, Itália 

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